Professora universitária traça interessante
diagnóstico do perfil da mulher na cafeicultura na região e diz: ‘o papel de
cada uma varia de acordo com a configuração da propriedade ou da organização em
que trabalha’
Raquel
Santos Soares Menezes é professora da área da Administração no segmento Gestão
de Pessoas, direcionando seu trabalho para o meio rural. Há 4 anos lidera
pesquisas na área de relações de gênero no agronegócio, mais recentemente na
cafeicultura. O blog MAS – Mulheres Agricultoras de Sucesso tem como política
valorizar o papel da mulher no agronegócio, nas suas mais diversas funções. Por
isso, para levar a nossos leitores interessantes informações e também como como
forma de homenagem pelo trabalho desempenhado, entrevistamos Raquel Soares cujo
conteúdo você lê abaixo.
Conte-nos um pouco de sua história pessoal
e profissional, onde estudou e onde trabalha atualmente.
Nasci
em Carmo do Paranaíba, onde morei até os 14 anos, com meus pais e meus dois
irmãos. Depois me mudei para Uberaba para estudar. Foi uma fase de muito
aprendizado, pois eu era muito jovem e morava só com meu irmão e alguns primos.
Nosso foco realmente era realmente estudar. Fui aprovada no vestibular para o
Curso de Administração na USP, campus de Ribeirão Preto, onde me formei em
2004. Fui uma aluna dedicada, fiz estágio e trabalhei em algumas empresas de
Ribeirão e região, fui bolsista com professores do meu curso e logo percebi que
gostava muito da área acadêmica. Mas ao terminar a graduação, optei por
trabalhar em empresas, tendo sido trainee de uma grande multinacional americana
em São Paulo, porque queria uma experiência em uma empresa privada antes de ir
para o mestrado. Resolvi retomar os estudos a fim de conciliar com outros
objetivos pessoais, como a possibilidade de viver no interior, e foi então que
me mudei para Uberlândia, onde cursei meu mestrado em Administração na UFU, em
Uberlândia, de 2006 a 2007. No ano seguinte, comecei a lecionar na graduação e
pós-graduação em Administração e percebi que era nesse ambiente do ensino
superior que eu gostaria de fazer minha carreira. Por isso, já em 2008 dei
início ao doutorado em Administração em Belo Horizonte, na UFMG, tendo
concluído minha tese em 2012. Em 2009 fui aprovada para um concurso de docente
do Ensino Superior na UFV, no campus de Rio Paranaíba, onde estou até hoje.
Após essas andanças, ao longo de 10 anos de estudos e trabalho, moro novamente
em Carmo do Paranaíba, onde constitui minha família juntamente com meu marido,
que é cafeicultor, e com quem tenho duas filhas. Viajo praticamente todos os
dias para Rio Paranaíba, onde está o campus da UFV no qual trabalho, e não
tenho dúvidas da escolha que fiz ao retornar para essa região 10 anos atrás.
Como é sua atuação como professora na área
da cafeicultura?
Meu
foco na docência é Administração, e mais especificamente Gestão de Pessoas.
Como a atividade de produção agrícola é muito desenvolvida na região do Alto
Paranaíba, tenho direcionado projetos de pesquisa e extensão para o meio rural.
Já há dois anos estou trabalhando com Gestão de Pessoas na Cafeicultura, por
meio de projetos junto a produtores do Programa Educampo, da Assocafé, de Carmo
do Paranaíba. Também estou há mais de 4 anos à frente de pesquisas na área de
relações de gênero no agronegócio, e de uns tempos pra cá, especificamente, na
cafeicultura. Sou membro da IWCA-Brasil (Aliança Internacional das Mulheres do Café Brasil) e uma das mobilizadoras do grupo no
Sub-Capítulo do Cerrado Mineiro.
Como é esse projeto de inserção e registro
das mulheres do café?
Meu
envolvimento com a temática das mulheres na cafeicultura se iniciou por meio de
um contato de uma colega da UFV que conheceu o trabalho da IWCA-Brasil em 2012,
quando o grupo estava sendo formado durante um evento do DNA Café Brasil, em
São Paulo. Na ocasião, também estava presente minha sogra, que é cafeicultora
aqui na região, e foi uma das mulheres indicadas e apoiadas pelo SEBRAE para
representarem o cerrado mineiro nesse primeiro encontro. Na época, eu estava
com um projeto de pesquisa, com recursos do CNPQ, sobre a atuação de Mulheres
no Agronegócio no Estado de Minas Gerais. Como havia uma sinergia muito grande
entre meu projeto e o grupo que estava sendo formado, fui convidada a
participar da IWCA, pois desde o início já se percebia a importância de uma
pesquisa sobre o tema das Mulheres no café no Brasil para dar visibilidade a
elas, e destacar a relevância da atuação desse público na cafeicultura. Como
praticamente não se encontram publicações desta natureza no Brasil, e há
inclusive publicações internacionais que citam que “praticamente não há
mulheres na cafeicultura do Brasil”, a IWCA-Brasil vem desde então buscando
formas de corrigir esta distorção, mostrando que há sim muitas mulheres no
segmento no país e que elas desempenham um papel muito relevante. Foi por isso
que nos juntamos em um grupo de pesquisadores de diversas Universidades e
outras instituições ligadas ao café, como EMBRAPA, EMATER, SENAR, IFES, e
iniciamos um trabalho de coleta de dados quantitativos (por meio de um
questionário aplicado on-line e presencialmente em várias regiões produtoras de
café), e qualitativos, por meio de entrevistas e estudos de casos com mulheres
que atuam na produção de café, dando origem à Primeira versão do livro
“Mulheres do café no Brasil”, com 18 capítulos, que será apresentado na
Convenção Latino-Americana do Café, em Puebla, no México, de 3 a 5 de agosto
deste ano, onde ocorrerá a Convenção Internacional da IWCA. No livro, há dois
capítulos sobre as mulheres no Cerrado Mineiro, escritos por mim juntamente com
alunas da UFV-CRP.
Qual avaliação do papel feminino na
cafeicultura, em especial na região do Cerrado?
As
mulheres desempenham vários papéis, e a natureza desta atividade depende muito
da configuração da propriedade ou da organização em que trabalham. Nas propriedades
menores, de natureza familiar, é comum encontrar mulheres que participam
diretamente da produção, fazendo desde o trabalho operacional de manejo até, e
principalmente, de colheita e pós-colheita, mas participam pouco da
comercialização e da tomada de decisões sobre o café. Já nas fazendas médias e
grandes, mesmo que sejam familiares, há mais mulheres fazendo a gestão de
custos e planejamento da propriedade, e muitas vezes são elas também que
organizam as certificações. Nos escritórios de fazendas, na área
administrativa, também é comum encontrar mulheres nas áreas financeira, de
contabilidade e pessoal. Há ainda algumas que são donas de suas próprias
fazendas, dividindo a gestão e a parte operacional com o pai, com o marido ou
com os filhos. Mas estas são em menor número. Outro papel importante
desempenhado por mulheres na Região são as trabalhadoras operacionais, que para
algumas atividades de manejo, como desbrota, adubação manual e plantio são até
mais demandadas que homens. A justificativa para tal é que elas são, em muitos
casos, mais detalhistas, cuidadosas e disciplinadas. Por isso, em algumas
fazendas da região, já vem sendo contratadas mulheres até para a operação de
tratores e colheitadeiras, abrindo um novo espaço para a atuação feminina no
campo. Não podemos esquecer ainda as funcionárias e gestoras de cooperativas e
associações, que estão no apoio à gestão e são grandes influenciadoras das
decisões tomadas nestas entidades.
E você, como se vê como mulher que se
destaca no cenário acadêmico e fora da sala de aula no âmbito da cafeicultura?
Pra
falar a verdade, não sei se me destaco...(risos). Prefiro me contentar com a
“Revolução Silenciosa”, que foi como a Fundação Ernesto Illy denominou esse
movimento das mulheres na cafeicultura mundial. É quase como se cada uma de nós
“soprasse” no ouvido das outras: “você pode”, e esse sussurro desse um
encorajamento para que outra mulher também busque um lugar profissional no
âmbito da cafeicultura. Esse é o primeiro passo para o empoderamento, palavra
que às vezes até assusta as pessoas, principalmente os homens, mas também a
muitas mulheres, como se houvesse uma disputa e elas vão tomar o lugar deles.
Muito diferente disso é o que buscamos: trabalhar lado a lado de maneira
equânime, sem perder de vista nossas diferenças. O empoderamento passa pelas
dimensões econômica, política e social. Na medida em que as mulheres adquirem
consciência de seu papel e valorizam o que elas fazem, recebem o reconhecimento
por parte dos outros, mas é muito importante que elas também se reconheçam como
agentes do desenvolvimento mundial. É por isso que a instituições como a ONU
vem incentivando sistematicamente a promoção da equidade de gênero, sendo este
um dos objetivos do desenvolvimento sustentável mundial.
Com Ana Maria Menezes, cafeicultora, minha sogra, e Cíntia Matos, Vice-Presidente da IWCA-Brasil, no Encontro das Mulheres do Café promovido pela Assocafé em Carmo do Paranaíba, em 2015 |
O
que vem levando as mulheres a serem mais atuantes em todos os setores é a
qualificação que elas estão buscando. Nem sempre o acesso à formação se dá de
maneira simples, mas nos últimos anos, em âmbito nacional, tem aumentado
substancialmente o ingresso de mulheres nos cursos superiores. Mesmo em áreas
mais técnicas como agronomia, por exemplo, a disparidade de gênero vem
reduzindo gradativamente. Entretanto, mesmo com o diploma nas mãos, muitas
vezes as profissionais enfrentarão algumas barreiras para ingressarem em áreas
que lidam diretamente com a produção, onde a discriminação ainda é maior,
apesar de estar diminuindo. Por outro lado, mesmo entre as mulheres com menor
escolaridade, como as agricultoras familiares e as trabalhadoras rurais, elas
estão mais dispostas a participar de cursos e treinamentos oferecidos por
cooperativas, associações e demais entidades.
O que tem sido visto em outras regiões cafeeiras, como o norte do Paraná
e as Matas de Minas, por exemplo, é o potencial multiplicador das mulheres em
levarem esse conhecimento adquirido nos cursos para a propriedade,
influenciando os demais envolvidos na propriedade a buscarem uma melhor
qualidade ou adotarem uma nova tecnologia, por exemplo. Além disso, elas tem um
olhar mais aguçado para a sustentabilidade, contribuindo para o futuro da
cafeicultura no país. Portanto, pode-se dizer que as mulheres são responsáveis
pela difusão da inovação, melhora da qualidade e pela sustentabilidade da
cafeicultura.
Algo mais que gostaria de comentar sobre
sua trajetória ou de seu trabalho e sua importância?
Quando
iniciei este trabalho, não tinha muita noção da dimensão que ele tomaria. Já se
vão alguns anos dedicados a esta temática, e percebo que houve algum avanço, no
sentido de despertar as pessoas para as questões envolvendo as mulheres no
café. Acredito que influenciei algumas mulheres, como algumas produtoras que
entrevistei, e minhas alunas que participaram dos projetos de iniciação científica
comigo, e uma que resolveu fazer até o mestrado nessa área. Ampliei
consideravelmente meu network não só na Região do Cerrado Mineiro, conhecendo
pessoas incríveis com muita vontade de provocar a mudança social no sentido de
uma cafeicultura com maior equidade de gênero. Fiz amigos e amigas com os quais
brindei muitas xícaras de café. Fiz viagens pelo país e para o exterior levando
nossa Revolução Silenciosa adiante. Mas ainda tenho um sentimento enorme de que
tem muito a ser feito. Ainda falta mobilização, organização e dificilmente
surgirão resultados sem ações estruturadas. O diferencial de nossa região são
as pessoas e suas atitudes. Acredito que teremos ainda muitos frutos desse
esforço inicial, mas como toda mudança social, levará tempo para as pessoas se
familiarizarem com a ideia de “dar visibilidade às mulheres do café”. A
IWCA-Brasil abriu várias portas no país para iniciativas de gênero, e é sem
dúvida a entidade que mais contribuiu para trazer à tona esse assunto para a
pauta das discussões da cafeicultura nacional. As diferenças de gênero no meio
rural mantém-se mais acentuadas do que no meio urbano, no que se refere ao
trabalho. Mas aos poucos, iniciativas vão sendo tomadas para mudar esta
realidade. E esse é só o começo de uma nova história, e deixará um legado de
muito valor para a cafeicultura nacional e as pessoas que a constroem,
especialmente as mulheres.
Por André
Luiz Costa - Jornalista
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