terça-feira, 27 de junho de 2017

Mulher de destaque do mês: RAQUEL SOARES

Professora universitária traça interessante diagnóstico do perfil da mulher na cafeicultura na região e diz: ‘o papel de cada uma varia de acordo com a configuração da propriedade ou da organização em que trabalha’

Raquel Santos Soares Menezes é professora da área da Administração no segmento Gestão de Pessoas, direcionando seu trabalho para o meio rural. Há 4 anos lidera pesquisas na área de relações de gênero no agronegócio, mais recentemente na cafeicultura. O blog MAS – Mulheres Agricultoras de Sucesso tem como política valorizar o papel da mulher no agronegócio, nas suas mais diversas funções. Por isso, para levar a nossos leitores interessantes informações e também como como forma de homenagem pelo trabalho desempenhado, entrevistamos Raquel Soares cujo conteúdo você lê abaixo.

Conte-nos um pouco de sua história pessoal e profissional, onde estudou e onde trabalha atualmente.
Nasci em Carmo do Paranaíba, onde morei até os 14 anos, com meus pais e meus dois irmãos. Depois me mudei para Uberaba para estudar. Foi uma fase de muito aprendizado, pois eu era muito jovem e morava só com meu irmão e alguns primos. Nosso foco realmente era realmente estudar. Fui aprovada no vestibular para o Curso de Administração na USP, campus de Ribeirão Preto, onde me formei em 2004. Fui uma aluna dedicada, fiz estágio e trabalhei em algumas empresas de Ribeirão e região, fui bolsista com professores do meu curso e logo percebi que gostava muito da área acadêmica. Mas ao terminar a graduação, optei por trabalhar em empresas, tendo sido trainee de uma grande multinacional americana em São Paulo, porque queria uma experiência em uma empresa privada antes de ir para o mestrado. Resolvi retomar os estudos a fim de conciliar com outros objetivos pessoais, como a possibilidade de viver no interior, e foi então que me mudei para Uberlândia, onde cursei meu mestrado em Administração na UFU, em Uberlândia, de 2006 a 2007. No ano seguinte, comecei a lecionar na graduação e pós-graduação em Administração e percebi que era nesse ambiente do ensino superior que eu gostaria de fazer minha carreira. Por isso, já em 2008 dei início ao doutorado em Administração em Belo Horizonte, na UFMG, tendo concluído minha tese em 2012. Em 2009 fui aprovada para um concurso de docente do Ensino Superior na UFV, no campus de Rio Paranaíba, onde estou até hoje. Após essas andanças, ao longo de 10 anos de estudos e trabalho, moro novamente em Carmo do Paranaíba, onde constitui minha família juntamente com meu marido, que é cafeicultor, e com quem tenho duas filhas. Viajo praticamente todos os dias para Rio Paranaíba, onde está o campus da UFV no qual trabalho, e não tenho dúvidas da escolha que fiz ao retornar para essa região 10 anos atrás.

Com grupo de Mulheres Representantes
da Cadeia Produtiva do Café,
em Patrocínio, durante Mesa
Redonda realizada no Encontro
de Tecnologia e Inovação promovido
pela EPAMIG e pela Federação
dos Cafeicultores da Região
do Cerrado Mineiro, em abril de 2016
Como é sua atuação como professora na área da cafeicultura?
Meu foco na docência é Administração, e mais especificamente Gestão de Pessoas. Como a atividade de produção agrícola é muito desenvolvida na região do Alto Paranaíba, tenho direcionado projetos de pesquisa e extensão para o meio rural. Já há dois anos estou trabalhando com Gestão de Pessoas na Cafeicultura, por meio de projetos junto a produtores do Programa Educampo, da Assocafé, de Carmo do Paranaíba. Também estou há mais de 4 anos à frente de pesquisas na área de relações de gênero no agronegócio, e de uns tempos pra cá, especificamente, na cafeicultura. Sou membro da IWCA-Brasil (Aliança Internacional das Mulheres do Café Brasil) e uma das mobilizadoras do grupo no Sub-Capítulo do Cerrado Mineiro.

Como é esse projeto de inserção e registro das mulheres do café?
Meu envolvimento com a temática das mulheres na cafeicultura se iniciou por meio de um contato de uma colega da UFV que conheceu o trabalho da IWCA-Brasil em 2012, quando o grupo estava sendo formado durante um evento do DNA Café Brasil, em São Paulo. Na ocasião, também estava presente minha sogra, que é cafeicultora aqui na região, e foi uma das mulheres indicadas e apoiadas pelo SEBRAE para representarem o cerrado mineiro nesse primeiro encontro. Na época, eu estava com um projeto de pesquisa, com recursos do CNPQ, sobre a atuação de Mulheres no Agronegócio no Estado de Minas Gerais. Como havia uma sinergia muito grande entre meu projeto e o grupo que estava sendo formado, fui convidada a participar da IWCA, pois desde o início já se percebia a importância de uma pesquisa sobre o tema das Mulheres no café no Brasil para dar visibilidade a elas, e destacar a relevância da atuação desse público na cafeicultura. Como praticamente não se encontram publicações desta natureza no Brasil, e há inclusive publicações internacionais que citam que “praticamente não há mulheres na cafeicultura do Brasil”, a IWCA-Brasil vem desde então buscando formas de corrigir esta distorção, mostrando que há sim muitas mulheres no segmento no país e que elas desempenham um papel muito relevante. Foi por isso que nos juntamos em um grupo de pesquisadores de diversas Universidades e outras instituições ligadas ao café, como EMBRAPA, EMATER, SENAR, IFES, e iniciamos um trabalho de coleta de dados quantitativos (por meio de um questionário aplicado on-line e presencialmente em várias regiões produtoras de café), e qualitativos, por meio de entrevistas e estudos de casos com mulheres que atuam na produção de café, dando origem à Primeira versão do livro “Mulheres do café no Brasil”, com 18 capítulos, que será apresentado na Convenção Latino-Americana do Café, em Puebla, no México, de 3 a 5 de agosto deste ano, onde ocorrerá a Convenção Internacional da IWCA. No livro, há dois capítulos sobre as mulheres no Cerrado Mineiro, escritos por mim juntamente com alunas da UFV-CRP.

Com grupo de Pesquisadores e Diretoras da
IWCA Brasil em Belo Horizonte, durante
reunião sobre o livro Mulheres do Café no
Brasil, em abril de 2017. Da esquerda para
Direita: Renata, da Embrapa Rondônia,
Brígida Salgado, Presidente da IWCA- Brasil ,
Silvana Novais, do SENAR Regional Matas de Minas,
Danielle Baliza do IFES Bom Sucesso, Nicole Goldeberth,
da Rede Solidaridad, Fábio Salgado, da UFV-Viçosa,
Helena Alves, da Embrapa e Epamig de Lavras,
Cristina Arzabe, da Embrapa Café Brasília,
Alexandre, da Embrapa Café Brasília, Everlyn,
do Paraná e Raquel Menezes, da UFV-Rio Paranaíba.
Qual avaliação do papel feminino na cafeicultura, em especial na região do Cerrado?
As mulheres desempenham vários papéis, e a natureza desta atividade depende muito da configuração da propriedade ou da organização em que trabalham. Nas propriedades menores, de natureza familiar, é comum encontrar mulheres que participam diretamente da produção, fazendo desde o trabalho operacional de manejo até, e principalmente, de colheita e pós-colheita, mas participam pouco da comercialização e da tomada de decisões sobre o café. Já nas fazendas médias e grandes, mesmo que sejam familiares, há mais mulheres fazendo a gestão de custos e planejamento da propriedade, e muitas vezes são elas também que organizam as certificações. Nos escritórios de fazendas, na área administrativa, também é comum encontrar mulheres nas áreas financeira, de contabilidade e pessoal. Há ainda algumas que são donas de suas próprias fazendas, dividindo a gestão e a parte operacional com o pai, com o marido ou com os filhos. Mas estas são em menor número. Outro papel importante desempenhado por mulheres na Região são as trabalhadoras operacionais, que para algumas atividades de manejo, como desbrota, adubação manual e plantio são até mais demandadas que homens. A justificativa para tal é que elas são, em muitos casos, mais detalhistas, cuidadosas e disciplinadas. Por isso, em algumas fazendas da região, já vem sendo contratadas mulheres até para a operação de tratores e colheitadeiras, abrindo um novo espaço para a atuação feminina no campo. Não podemos esquecer ainda as funcionárias e gestoras de cooperativas e associações, que estão no apoio à gestão e são grandes influenciadoras das decisões tomadas nestas entidades.

E você, como se vê como mulher que se destaca no cenário acadêmico e fora da sala de aula no âmbito da cafeicultura?
Pra falar a verdade, não sei se me destaco...(risos). Prefiro me contentar com a “Revolução Silenciosa”, que foi como a Fundação Ernesto Illy denominou esse movimento das mulheres na cafeicultura mundial. É quase como se cada uma de nós “soprasse” no ouvido das outras: “você pode”, e esse sussurro desse um encorajamento para que outra mulher também busque um lugar profissional no âmbito da cafeicultura. Esse é o primeiro passo para o empoderamento, palavra que às vezes até assusta as pessoas, principalmente os homens, mas também a muitas mulheres, como se houvesse uma disputa e elas vão tomar o lugar deles. Muito diferente disso é o que buscamos: trabalhar lado a lado de maneira equânime, sem perder de vista nossas diferenças. O empoderamento passa pelas dimensões econômica, política e social. Na medida em que as mulheres adquirem consciência de seu papel e valorizam o que elas fazem, recebem o reconhecimento por parte dos outros, mas é muito importante que elas também se reconheçam como agentes do desenvolvimento mundial. É por isso que a instituições como a ONU vem incentivando sistematicamente a promoção da equidade de gênero, sendo este um dos objetivos do desenvolvimento sustentável mundial.

Com Ana Maria Menezes, cafeicultora, minha sogra,
e Cíntia Matos, Vice-Presidente da IWCA-Brasil, no Encontro
das Mulheres do Café promovido pela
Assocafé em Carmo do Paranaíba, em 2015
Como as mulheres podem ser cada vez mais atuantes no agronegócio?
O que vem levando as mulheres a serem mais atuantes em todos os setores é a qualificação que elas estão buscando. Nem sempre o acesso à formação se dá de maneira simples, mas nos últimos anos, em âmbito nacional, tem aumentado substancialmente o ingresso de mulheres nos cursos superiores. Mesmo em áreas mais técnicas como agronomia, por exemplo, a disparidade de gênero vem reduzindo gradativamente. Entretanto, mesmo com o diploma nas mãos, muitas vezes as profissionais enfrentarão algumas barreiras para ingressarem em áreas que lidam diretamente com a produção, onde a discriminação ainda é maior, apesar de estar diminuindo. Por outro lado, mesmo entre as mulheres com menor escolaridade, como as agricultoras familiares e as trabalhadoras rurais, elas estão mais dispostas a participar de cursos e treinamentos oferecidos por cooperativas, associações e demais entidades.  O que tem sido visto em outras regiões cafeeiras, como o norte do Paraná e as Matas de Minas, por exemplo, é o potencial multiplicador das mulheres em levarem esse conhecimento adquirido nos cursos para a propriedade, influenciando os demais envolvidos na propriedade a buscarem uma melhor qualidade ou adotarem uma nova tecnologia, por exemplo. Além disso, elas tem um olhar mais aguçado para a sustentabilidade, contribuindo para o futuro da cafeicultura no país. Portanto, pode-se dizer que as mulheres são responsáveis pela difusão da inovação, melhora da qualidade e pela sustentabilidade da cafeicultura.

Algo mais que gostaria de comentar sobre sua trajetória ou de seu trabalho e sua importância?
Quando iniciei este trabalho, não tinha muita noção da dimensão que ele tomaria. Já se vão alguns anos dedicados a esta temática, e percebo que houve algum avanço, no sentido de despertar as pessoas para as questões envolvendo as mulheres no café. Acredito que influenciei algumas mulheres, como algumas produtoras que entrevistei, e minhas alunas que participaram dos projetos de iniciação científica comigo, e uma que resolveu fazer até o mestrado nessa área. Ampliei consideravelmente meu network não só na Região do Cerrado Mineiro, conhecendo pessoas incríveis com muita vontade de provocar a mudança social no sentido de uma cafeicultura com maior equidade de gênero. Fiz amigos e amigas com os quais brindei muitas xícaras de café. Fiz viagens pelo país e para o exterior levando nossa Revolução Silenciosa adiante. Mas ainda tenho um sentimento enorme de que tem muito a ser feito. Ainda falta mobilização, organização e dificilmente surgirão resultados sem ações estruturadas. O diferencial de nossa região são as pessoas e suas atitudes. Acredito que teremos ainda muitos frutos desse esforço inicial, mas como toda mudança social, levará tempo para as pessoas se familiarizarem com a ideia de “dar visibilidade às mulheres do café”. A IWCA-Brasil abriu várias portas no país para iniciativas de gênero, e é sem dúvida a entidade que mais contribuiu para trazer à tona esse assunto para a pauta das discussões da cafeicultura nacional. As diferenças de gênero no meio rural mantém-se mais acentuadas do que no meio urbano, no que se refere ao trabalho. Mas aos poucos, iniciativas vão sendo tomadas para mudar esta realidade. E esse é só o começo de uma nova história, e deixará um legado de muito valor para a cafeicultura nacional e as pessoas que a constroem, especialmente as mulheres.

Por André Luiz Costa - Jornalista

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